Foto de James P.S. Conway
Com essa linda foto do querido amigo James P. Suplicy Conway, ilustro essa crônica do livro Inesplicando, de Inês Bari. DIVIRTA-SE! #inesplicando #inesbari #cronicas #poesia #divertidosos #empreendedoras55
O Fantasma do Piano
Eu não imaginava que a nascente do Rio Tietê ficava na cidade de Salesópolis. Muito menos que ele era pequeno e limpo, até ir ganhando volume e sujeira, à medida que adentra a grande São Paulo. Também não imaginava que meu irmão, médico formado e com grande talento para cuidar não só de gente, como também de patos,marrecos e faisões, iria comprar terras no bairro de Remédios, vilarejo próximo a Salesópolis.
Era uma aventura chegar lá. Duas ladeiras saiam da estrada de asfalto e iam dar na pracinha com uma pequena igreja e mercearias de balcões antigos. Depois, três quilômetros de terra batida, com direito a capelinhas, santos sem cabeça e mata-burros. Clima de interior…
A casa foi erguida em poucos meses e chegou, então, o dia da visita da família. Logo na entrada, um pergolado com primaveras vermelhas e uma placa de boas vindas : Sítio do Zeca Pireba. Ninguém sabia quem era Zeca Pireba. Ninguém perguntou.
Mais à frente, a casa, sorridente, com janelas e portas pintadas de laranja e amarelo. Na cozinha, panelas de cobre penduradas nas paredes. E na sala, um velho piano, com a foto dos parentes que já partiram. Sorte que não estavam de sobrecasaca, o que dava um aspecto carinhoso e menos soturno.
Como se dorme cedo no sítio! Acorda-se cedo. Dorme-se cedo. E quando deu nove horas, depois da janta, todos foram para seus quartos. Adultos em camas e beliches e crianças amontoadas em colchonetes pelo chão.
E se de dia a natureza nos encanta e alegra, à noite, ela nos intimida, desentocando medos e mistérios. E foi assim, perto das onze da noite, que se ouviu, nitidamente, o som do piano vindo da sala vazia…
Notas graves e agudas. Descompassadas. Dava para ouvir em todos os aposentos. Mas logo veio o silêncio e ninguém disse nada. Absolutamente nada. Na hora do café da manhã, os olhinhos das crianças se procuravam, à espera de algum comentário. Nada foi falado. E o dia seguiu com risos, brincadeiras e frutas colhidas no pé.
Na noite seguinte, às onze da noite, a cena se repetiu. E o som do piano ecoava mais uma vez na sala vazia…Foi nessa hora que o menor da turma, inocente, perguntou: – Ué? Quem tá tocando piano?
Os adultos e as crianças, juntos e tomados de uma coragem até então desconhecida, correram até o final do corredor e se depararam com um pequeno ratinho que se distraia pra lá e pra cá no teclado do velho piano.
O riso tomou conta da sala, enquanto meu irmão botava o roedor para correr. Era só um ratinho. Quem diria. Um ratinho! Voltaram, cada qual para o seu quarto, tranquilos, e foram dormir.
Enquanto no cantinho da sala, vazia, o fantasma do Zeca Pireba se divertia, mais uma vez…
[…] O Fantasma do Piano, por Inês Bari – do livro Inesplicando […]