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Os rituais e etiquetas dos Bailes de Formatura – contribuição do Divertinauta Sérgio Francisco Garcia

Por 14 de julho de 2019 Sem Comentários


“OS RITUAIS E ETIQUETAS DOS BAILES DE FORMATURA”

 

Ingressei na adolescência no decorrer de 1950 e, antes de completar os 18 anos, participei de meu primeiro baile de formatura, inaugurando o uso do terno. Foi um parto difícil, e devo comentá-lo, expondo especialmente e de maneira clara, a lembrança dos quinze dias que antecederam essa festa, naquilo que eles envolveram de emoção, tensão e ansiedade. Nesse período, meu pai me submeteu a uma verdadeira tortura. Seria minha primeira festa de formatura, com toda a formalidade que abraça uma cerimônia dessa natureza. Então, pedi a ele que me comprasse um terno branco (os ternos brancos, azul-marinhos ou pretos eram permitidos) para que eu pudesse comparecer a esse baile – de cujo colégio não me recordo o nome – mas lembro que foi realizado nos salões do Clube Atlético Santista. O pedido foi negado sob a alegação de impossibilidade financeira. O desejo não me permitiu aceitar aquele argumento para mim inverídico e, teimoso como costumam ser os adolescentes, mantive a insistência diária chegando em certos momentos a chorar, enquanto sua posição se mantinha irredutível. Pois bem: os dias correram e ao lado deles, a esperança não esmorecia. Ou melhor, à medida em que se  aproximava a noite do baile, a esperança foi murchando. Na noite, pròpriamente dita, nada mais restava de fé. Eis que, exatamente naquela noite, no horário habitual de seu retorno do escritório para casa, meu pai chegou com grande embrulho. Para me testar, fez preliminarmente um cenário de angustiante agonia, após o que, entregou-me o pacote para ser aberto. Ao fazê-lo, deparei-me com o almejado terno em sua alvura impecável, passadinho, bem como o indispensável vestuário complementar, ou seja, a camisa branca e a gravata borboleta preta. O sapato preto eu já possuía. Minha reação emocional naquele momento foi de tal sorte que não consigo encontrar as palavras exatas para traduzi-la. Talvez eu consiga traçar o seguinte paralelo: da desilusão total à concretização da ilusão, estava diante de um milagre; era como se aquele sentimento tivesse sido retirado de dentro de um freezer, e sobre ele derramado alguns litros de água fervente; ou como se um doente dando seus últimos suspiros na U.T.I., em fração de segundos tivesse recuperado todo o vigor vital. O que a memória não apagou é que após os agradecimentos de praxe, corri para o banheiro, entrei no chuveiro, e depois de demorado banho de água e de lágrimas, enxuguei-me e cantarolando me arrumei para o baile. Pela primeira vez na vida, fiz minha refeição trajando um terno, se bem que o baile só seria iniciado muito mais tarde. Minha memória nada mais registrou. Como foi o baile, com quem conversei ou dancei (se é que dancei), que orquestra abrilhantou aquele evento, que horas retornei? Mas o episódio do terno e as horas e dias que antecederam sua compra, tudo isso permanecerá gravado firmemente no mais fundo do meu ser.

 



Fiz este comentário para anunciar minha “avant première de bailarino”. Prossigo agora a narrativa em torno do tema epigrafado, anexando ligeira prévia e outros comentários a título de apreciações sobre os bailes que passei a freqüentar a partir dos 18 anos de idade. Uma das anotações contextuais desta ressalva deve-se ao fato de que, se na atualidade os universitários celebram condignamente o esforçado encerramento de seus estudos superiores, no tempo de minha adolescência, as escolas secundárias ao término dos cursos clássico e(ou) científico, igualmente o faziam. Dezembro era o mês escolhido por toda a estudantada para invariavelmente celebrar as seguintes cerimônias: uma missa de ação de graças ou um culto ecumênico; uma sessão solene de colação de grau trazendo toda a sua pompa tradicional – que consistia na entrega dos diplomas; discursos dos patronos, paraninfos e orador da turma; distribuição de flores e presentes; execução do Hino Nacional; em alguns casos, havia alguma apresentação de arte pelos formandos – e a efeméride era coroada com o costumeiro e indispensável baile de formatura. Os alunos dos cursos superiores, com muito maior razão e entusiasmo, após vencer o último degrau de sua vida estudantil e acadêmica, e estando preparados para iniciar a vida profissional, marcavam e continuam marcando estes festejos com toda a pompa que o momento merece. Volto a frisar e destacar que este preâmbulo foi apreciado por dois motivos: nos dias atuais, não sei se por modernismo ou economia de dinheiro, as formaturas dos cursos secundários quase não são mais festejadas e, em segundo lugar, é exatamente para relembrá-las que a minha saudade passeará, para expor como eram bons e igualmente festejados, os bailes de formatura dos cursos secundários. Eu vivi esses momentos entre as décadas de 1950 e 1960 nas cidades de Santos e São Paulo. Nesse período celebrava-se, igualmente, a época de ouro da música popular brasileira. Os melhores e mais famosos cantores e compositores estavam já, ou ainda, em atividade e na crista das ondas do sucesso. As melhores e maiores orquestras eram disputadas para bailes de debutantes, festas nos clubes, acompanhar os cantores em shows, e no fim do ano, abrilhantar os bailes de formatura universitários ou dos cursos secundários. Imaginem então com que antecedência havia a necessidade de se fazer as reservas para os respectivos bailes. Embora o Brasil contasse com inúmeras orquestras de renome e qualidade, e aproveito aqui para mencionar algumas, tais como a de Luis Arruda Paes, Sylvio Mazzuca, Georges Henry, Enrico Simonetti, Poncho, Zezinho da TV, Osmar Milani, Dick Farney, Orlando Ferri, Elcio Alvarez e Erlon Chaves (em São Paulo); Blue Star Orquestra de Rio Claro e Nelson de Tupã (interior de São Paulo); e no Rio as orquestras de Severino Araújo (Tabajara), Carlos Machado, Românticos de Cuba, Walter Wanderley, e os conjuntos de baile de Valdir Calmon, Ed Lincoln, Ribamar, Manfredo Fest. Seus músicos se apresentavam em trajes de gala nesses bailes. Ainda eram contratadas para os diversos bailes as orquestras estrangeiras que por aqui passavam em excursão, e eram muitas, cubanas, argentinas, americanas. Apesar da quantidade, quase não davam conta dos compromissos, se considerarmos o número de colégios secundários e faculdades que colavam grau todos os anos, levando em consideração não só as cidades de São Paulo e Rio mas as demais capitais de Estado e cidades do Interior por todo o país. Ocorria que essas orquestras eram contratadas em acirrada disputa com, no mínimo um a dois anos de antecedência. Quanto a toda a organização em seus mínimos detalhes, não havia na época essas firmas especializadas em cuidar das formaturas, ficando todas as providências por conta da comissão de alunos especialmente designada para tal fim. Destaquemos que o surgimento dessas firmas despertou na fina flor da malandragem tremendos golpes quando verdadeiras quadrilhas têm aplicado truques de safadeza escafedendo-se com o dinheiro arrecadado (e eram  fortunas) deixando os formandos, suas famílias e seus convidados a “ver navios”. Supondo o tratamento diverso e honesto daquelas comissões de formatura (e elas eram corretas), eu não consigo imaginar como funcionava a cabeça dos alunos tendo que se dedicar firmemente aos exames do último ano e a todos os trâmites que envolviam as festividades (aliás, consigo sim, pois já fiz parte desse contingente). Senão, vejamos: para os referidos bailes, os homens deveriam possuir ou comprar smokings ou Summer jackets, e nunca terno branco. Normalmente, precisavam tirar as medidas nos alfaiates e mandar confeccioná-los muitas vezes com tecidos importados; era pouco comum encontrar lojas que já os vendessem prontos. A elaboração da lista de convidados per capita exigia um trabalho insano visto não haver possibilidade de farta distribuição, levando em consideração a quantidade de alunos por turma, o custo da orquestra, o aluguel e decoração do salão e outras despesas adicionais. Para as mulheres, então, a situação era muito mais complicada a nível de custo e tempo. Para as diversas cerimônias, a formanda, sua mãe, irmãs e eventuais filhas, além de amigas e parentas convidadas, visitavam costureiras, chamadas modistas, ocasião em que se dispendia enorme tempo na escolha dos modelos geralmente europeus, em especial os franceses e italianos ou os mais diversos, com tecidos, rendas e outros adereços, caríssimos. Os cabeleireiros, cuja demanda envolvia a coincidência de vários compromissos (outros bailes, casamentos, aniversários) exigiam reservas bem antecipadas, na luta da vaidade feminina pelos diversos tipos de penteados, onde modelos inspirados em artistas de cinema constituíam a moda da ocasião. Os salões a serem contratados para as cerimônias de formatura e os bailes, pela grande incidência de festas, exigiam também a reserva bem antecipada.


Mas o motivo primordial que me conduziu a redigir esta crônica, não foi o de tomar vosso tempo na análise das formalidades. Inspirei-me nas boas recordações, e pretendi transmitir e dividir com os leitores a delícia daqueles momentos mágicos, dos quais participei, como ator coadjuvante. Teve um ano em que passei vários dias em São Paulo, entre 12 e 23 de dezembro. Estou em dúvida, se era 1960 ou 1961. Estava hospedado na casa de um primo no bairro do Morumbi. Pois bem: durante noites seguidas, sem falhar uma sequer, esse primo recebeu convites para bailes de formatura e me encaixou em todos. Como havia a coincidência de mais de um baile por noite, gastávamos parte da tarde, para selecionar o escolhido daquela noite. Os locais eram os mais diversos: Clube Pinheiros,Clube Paulistano, Club Homs, Clube Sírio Libanês, Monte Libano, Casa de Portugal  ou os Salões do Aeroporto de Congonhas. Os colégios mais famosos que patrocinavam os bailes eram o Mackenzie, Sacre Coeur de Marie, N.S. de Sion, Liceu Eduardo Prado e outros tantos, sem contar os cursos superiores. Chegávamos a qualquer um desses templos tão românticos com o coração na boca, já antevendo tudo aquilo que de bom que iríamos curtir: as grandes orquestras com as músicas de sucesso do momento preparadas com arranjos soberbos; as mesas com toalhas de linho, talheres finíssimos e copos de cristal; a decoração floral dos palcos e salões com iluminação caprichada; e dando o realce final, a primavera daquela juventude festiva, com homens e mulheres elegantemente trajados lembrando filmes antigos ou a novela “Anos Dourados”, quando assistíamos os pares valsando num ambiente divinal.


Deixei para falar por último do principal: as mulheres!

Ah! As mulheres! Lindas, cútis macias, cheirosas com seus aromas franceses, pavoneando toda a elegância arduamente arquitetada em horas de salões de beleza. As mulheres sempre sonham com seus momentos de glória na sociedade. É o baile das debutantes, a festa do casamento religioso e os bailes de formatura, sendo os dois delas – curso secundário e faculdade – e os das (os) amigas(os) e parentes, onde elas também se sentiam e sentem, no desejo de brilhar. Mas não eram só elas. Nós, homens, também tínhamos e temos nossos corações a palpitar e caprichávamos e caprichamos no trajar e no penteado, embora por um motivo antropológico de diferente intensidade. Havia o antes, o durante e o depois. Antes, era o sonho, a imaginação. Durante, o esforço ancestral do caçador em torno da caça, a escolha da presa, os momentos do flerte, a maneira de como se conduzir e se relacionar. Depois, o reviver daqueles momentos, a autocrítica dos erros e o auto-elogio dos acertos. Todos esses passos eram merecedores de longa análise e curtição. Conforme disse antes, ao entrar no salão de baile, a orquestra quase sempre estava dando o seu show. Cada naipe de instrumentos exibia suas características. A suavidade dos saxofones. A carícia da harpa e do piano. Os sons mais agressivos dos pistões e dos trombones. E a lindeza da mistura de todos os sons penetrando pelos nossos aparelhos auditivos, quando aquelas criações complexas criadas e arranjadas por Cole Porter, Gershwin, Glenn Miller, e até mesmo as valsas, sambas-canções e sambas, boleros e toda uma infinidade de ritmos de compositores brasileiros e estrangeiros, ali estariam a embalar nosso espírito. Já anestesiados pelas semibreves, mínimas e semínimas com suas claves e pautas e habituados ao ambiente, os cavalheiros iriam na hora certa, desfilar pelo salão à procura do par ideal. Localizada a bela mocinha pelo primeiro sentido, a visão, e estando ela aparentemente livre e desimpedida, era providenciada a aproximação, estágio crucial, em que o cavalheiro buscava aplicar todo o seu charme e educação. Após as palavras iniciais e o convite para dançar, ambos caminhavam em busca de uma vaga no salão. Ao envolvê-la em seus braços, dois sentidos eram imediatamente acionados: o tato e o olfato; o olfato, ao sentir na região do pescoço da parceira seu inebriante perfume. Agora o tato iria funcionar quando, ao pegar na mão da moça, o parceiro fazia-o cuidadosamente, como se manuseasse uma peça de cristal. Aquela mão de fada deveria ser retida com mão de seda. Se, por acaso e respeitosamente os rostos se tocassem, ocorreria o suor e muitas sensações inenarráveis. Estava formado aquele par valsante: lindos trajes, odorosos aromas, músicas que atingiam o paraíso e dois cérebros pensando…..sei lá o quê!?! Mesmo que nada resultasse daquele encontro, quer pela brevidade do tempo, pela distância que depois separaria os dois, quem duvida da durabilidade do sentimento despertado, de que aquela noite permaneceria viva por um incomensurável tempo? Naquele dezembro, outras noites viriam. Os pares se repetiriam ou nunca mais? Só posso afirmar é que eu teria toda aquela madrugada para viver intensamente e sonhar, sonhar, sonhar. No dia seguinte deveria zerar com sacrifício o velocímetro das emoções para enfrentar novo baile (ou continuar desejando a dama da véspera?) Os bailes  se sucederiam, o mesmo acontecendo com os locais, as orquestras e……as parceiras. De volta a Santos as experiências continuaram. Talvez com a diferença de que os pares a serem formados não eram desconhecidos como os paulistanos. Algumas das moças que lá estavam, já conhecíamos de freqüentar as mesmas praias, clubes, bailinhos, ou pela vizinhança geográfica. Os salões eram outros, os colégios eram o Santista, o Stella Maris, o São José, o Canadá, e as orquestras, embora não tão grandes, eram portentosas, como as de Cabral Júnior, Pascoal Melilo (com Plínio Metropolo ao piano), Hamleto e seus Rapazes, Alfredo Simoney, J.Pinto, Pepe e Edilberto e a Orquestra Colúmbia (de Haroldo Moura). Ás vezes, algumas eram trazidas de fora. No item orquestras não havia fastio, visto que a qualidade excepcional nunca nos cansava. Finalmente, nosso smoking coitadinho, já bem rodado, estava pronto para uma visita à lavanderia e as camisas, após várias viagens aos tanques de roupas e carícias do ferro de passar, ansiavam pelo retorno ao guarda-roupa, para as férias anuais. O derradeiro baile de formatura havia terminado. Antes, porém, que eu dedicasse meus pensamentos exclusivamente ao Natal bem próximo, aquela escura madrugada em que eu iria degustar os prazeres da noite anterior, reservava um quartinho no palácio dos sonhos para armazenar bem arrumadinhas as esperanças e quimeras do porvir. Quanto mais duraria minha juventude, meus bailes, e amores, e sonhos?                      


O Divertinauta Sergio Francisco Garcia, é hoje um simpático senhor de 78 anos, e ele é pai de nossa querida amiga Ana Paula. Na foto abaixo estamos nós e Milena. Grata pela contribuição. Que venham muitas mais! 


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